Sociedade
ESPECIAL Na onda de CristoAfiada na linguagem dos jovens, a igreja evangélica Bola de Neve Church cresce pregando curas milagrosas e sexo somente depois do casamento CRISTIANE SEGATTO
Volta e meia uma mãe desconfiada invade os domínios do pastor evangélico Rinaldo de Seixas Pereira, de 31 anos, louca para desmascarar a balada que o filho anda curtindo com a desculpa de freqüentar uma igreja. Mal consegue disfarçar a surpresa quando avista o pranchão de longboard colocado sobre o púlpito da Bola de Neve Church, um templo onde reggae, surfe e pregação se confundem. A igreja da galera cresce no Brasil de carona na tendência de especialização das agremiações evangélicas, conforme explica o pastor batista Ariovaldo Ramos, diretor da Faculdade Latino-Americana de Teologia Integral. Em um esforço de diferenciação, igrejas emergentes procuram públicos cada vez mais específicos.
Criada por um surfista formado em propaganda e marketing, a Bola de Neve pretende converter espíritos indomáveis - surfistas, skatistas, drogados, malhadões e gatinhas - em tranqüilos servos de Deus (e da igreja), dispostos a abandonar vícios e abrir mão do sexo antes do casamento. A receita: música, telões que exibem cenas de esportes radicais, festas em casas noturnas (regadas a refrigerante), cultos superemocionados e linguagem para lá de informal. 'Vocês já viram uma igreja com tanta balada?', pergunta à platéia o pastor Rinaldo, vestido de calça jeans e tênis. A maioria do rebanho de 'Rina', como é chamado, tem entre 15 e 30 anos. Os 1.200 fiéis lotam o maior dos templos, inaugurado no início de julho em Perdizes, bairro paulistano de classe média. Nascida de uma reunião de amigos há dez anos, já com ambição de virar avalanche, a Bola de Neve avolumou-se. Nos últimos dois anos, o número de membros da igreja pulou de 250 para 3 mil em todo o país. Eles se cadastram formalmente e pagam o dízimo (10% da renda mensal). Freqüentadores esporádicos estão fora dessa conta. Já existem sedes em Boiçucanga e Peruíbe, no litoral paulista; Florianópolis, em Santa Catarina; e Itacaré, na Bahia. Na cidade baiana de 20 mil habitantes, a Bola de Neve ocupa um casarão antigo, ao lado da igreja católica. Pastor e padre vivem às turras, e a fama da evangélica se espalha. Grupos menores funcionam em Itanhaém e Santos, São Paulo; em Laguna, Santa Catarina; em Niterói, Rio de Janeiro; e em Salvador, Bahia. Osurfista Dadá Figueiredo, um dos mais importantes nomes do esporte nos anos 80, está prestes a inaugurar uma célula na Barra da Tijuca, no Rio. Embriões da igreja brotarão em breve em Huntington Beach, na Califórnia, e até mesmo no Havaí.
Arrastar adeptos em potencial para os cultos em que decotes e bíceps à mostra são aceitos é tarefa de gente como o fisiculturista Enzo Perondini Filho, de 40 anos, vencedor do Campeonato Brasileiro de Musculação Atlética no ano passado. Vítima de anabolizantes que lhe provocaram um câncer no fígado, Perondini recebeu uma previsão de três meses de vida em 1998. Mas a doença estacionou. O fiel, que se considera curado por Deus, percorre o circuito das academias de ginástica em busca de ovelhas como a modelo Cida Marques, conhecida pelos seios fartos exibidos nas revistas masculinas, e Monique Evans, apresentadora do apimentado Noite Afora, da RedeTV!, um mosaico de cenas de sexo com depoimentos de strippers e garotos de programa. Aos 47 anos, Monique freqüenta a igreja desde o início de 2002. Tem a Bíblia toda anotada e engaja-se em altas discussões religiosas. Nesta segunda-feira, três dias depois de firmar o compromisso no civil, vai casar-se com o publicitário Guga Sander, de 29 anos, em uma cerimônia conduzida pelo pastor Rina. O casal juntou as escovas de dentes há dois anos, mas agora decidiu receber a bênção. 'Encontrei o meu varão e o pastor nos fez perceber que não podemos dar brecha ao demônio', conta Monique. Ainda que dividindo a mesma cama, os pombinhos encaram um jejum sexual como preparação para o grande dia. 'Estamos em santidade há quatro meses e a dedicamos a Deus', declara a apresentadora. Cada vez mais envolvida com a igreja, Monique revela que pretende mudar o foco de sua carreira na TV. Ocontrato com a emissora vencerá em maio de 2004 e, até lá, ela deve continuar falando sobre sexo. Mas seu plano B é criar um programa para aproximar casais cristãos.
O espírito casamenteiro caracteriza a Bola de Neve e é incentivado pelo pastor Rina, que não mede palavras e esforços para ver seu rebanho crescer e se multiplicar. Sexo, segundo ele, é a união espiritual de dois corpos. Por isso, só deve ser praticado dentro do casamento. Nos cultos, Rina promove matrimônios coletivos e abençoa cada casal em menos de cinco minutos. A informalidade dá o tom. 'Estou me sentindo um padre mexicano fazendo um casamento a jato para a galera ganhar visto', brincou no culto do domingo 20. Quando celebra um noivado, dispara: 'Pode dar um selinho básico, afinal, ainda não estão casados'.
Mais do que a possibilidade de encontrar a alma gêmea, a moçada que freqüenta a igreja - como o jogador de futebol Cris, hoje no Cruzeiro, e Rodolfo, ex-líder da banda Raimundos - é atraída pela descontração e pelo ambiente amistoso. A seqüência esperta da celebração também ajuda a manter a casa cheia. O público é recebido pela banda liderada pela professora de bodyboarding Denise Gouveia Pereira, de 30 anos, casada com Rina. A bela loira, sobrevivente de uma overdose de cocaína, canta hinos em ritmo de reggae e rock durante uma hora. As letras dos louvores são projetadas em um telão e a iluminação é reduzida nos níveis de uma danceteria. É hora de deixar a molecada soltar os bichos com gritos e saltos. No fim do último número, o pastor toma a cena e aproveita os acordes graves para soltar uma voz cavernosa que parece saída das trevas. Mantém os olhos fechados e fala palavras incompreensíveis, parte do ritual no qual são esperadas manifestações sobrenaturais, curas milagrosas e o dom de falar em línguas não-identificáveis. Depois da pregação, as pessoas estão tão sugestionadas pela voz poderosa e pela repetição de orações em voz alta que acabam tomadas por euforia e emoção, choram, levantam as mãos para os céus, pedem perdão, fazem súplicas. Ao final do culto, sentem-se renovadas e atribuem o fenômeno a um estreitamento dos laços com Jesus. Como em qualquer culto neopentecostal, o pastor lança petardos contra a homossexualidade ('A mídia quer que a sociedade ache normal ver duas meninas se beijando') e as religiões afro-brasileiras ('Se alguém questionar o dízimo que você dá para a igreja, pergunte quanto essa pessoa deixa na mão do pai-de-santo').
No quesito das ofertas, porém, a Bola de Neve parece mais comedida do que as concorrentes. Nada de envelopinhos para pressionar os fiéis a doar valores estipulados ou quadros que denunciam quem atrasou o dízimo. Os freqüentadores são convidados a depositar quanto quiserem em uma urna e a contribuir com o dízimo mensalmente. Evangélica desde a infância, a estudante de comunicação social Viviane Constante da Silva, de 19 anos, entrega à igreja 10% de seu salário de telefonista. 'Com grande prazer, porque aqui eu me sinto em casa. Sou evangélica desde criança.' Ela conta que freqüentava outras igrejas por reverência a Deus, mas não tinha acesso aos pastores. 'Aqui eu posso procurar o Rina se tenho algum problema, porque ele sabe quem eu sou', diz. O dízimo da rapaziada financia a expansão da igreja, mas ainda não fez o pastor enriquecer, como ocorre com muitos líderes religiosos. Rina, Denise e o filho dela, Nathan, de 9 anos, vivem em um apartamento alugado em Perdizes. Como qualquer outro casal de classe média que almeja um financiamento imobiliário, andam cortando despesas. A academia que freqüentavam reajustou os preços e foi eliminada do orçamento. Rina também não tem plano de saúde, ao contrário da mulher e do enteado, que chama de filho. 'Até poderia pagar a mensalidade, mas quis abrir mão disso para poder continuar dizendo que Deus cura enfermidades', explica. Ex-representante comercial de uma marca de surfwear, Rina chegou a ter uma renda três vezes superior ao salário de pastor que recebe hoje. Mas estava decidido a dedicar-se exclusivamente ao Evangelho desde 1992, quando uma overdose de cocaína, agravada pela hepatite C, deixou-o paralisado e cego por alguns instantes. Com um aparato de comunicação que se resume a uma revistinha de 10 mil exemplares e a um programa diário na Rádio Musical FM, o pastor está a anos-luz de um Edir Macedo. Tampouco almeja esse status. Rina assistiu a um culto da Universal do Reino de Deus há dez anos e não gostou da ênfase dada aos dízimos e ofertas. 'Não pretendo construir um império', afirma. 'Se a Bola de Neve crescer, terá sido conseqüência do trabalho de todos nós.' No próximo dia 4, um banho coletivo selará a entrada de dezenas de almas para a nova igreja. O batismo não será na praia, onde tudo começou, mas na piscina do Clube Palmeiras, em São Paulo. |
Um comentário:
não difamem a imagem dotemplo do SENHOR
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