Igreja Evangélica e a Consciência Negra
O Professor e Pesquisador metodista José Carlos Barbosa (doutor em história Pela Universidade de Sevilha, na Espanha), coordenador do Centro de Pesquisa Metodista e autor do livro Negro não entra na Igreja, espia da banda de fora,em sua fala no encontro de Lideranças Negras Evangélicas comentou o seu trabalho de pesquisa que mostra a relação do protestantismo no Brasil com o negro e a escravidão. Com uma abordagem muito interessante, o professor fez o grupo viajar no tempo, estudando a relação inicial do catolicismo com o índio e com o negro, a relação dos protestantes europeus e norte americanos, imigrantes que aqui se estabeleceram a partir das primeiras décadas do século 19, com os negros, e ainda, o relacionamento dos missionários vindos do sul dos Estados Unidos, com os negros.
O professor explicou como surgiu o seu interesse pela questão do negro, falando de um documento que relatava o naufrágio de um navio negreiro e escrito por um sobrevivente branco. O navio vinha da África para o Brasil trazendo negros para vendê-los. O sobrevivente com uma linguagem, profundamente religiosa, agradecia a Deus pelo milagre de ter salvado a sua vida. Mas, lamentava o afundamento do navio e a perda econômica da carga - homens e mulheres negros. Aquele documento lhe chocou profundamente, por ele não conseguir entender como aquele homem conseguia falar em Deus, ir à Igreja e ter um pensamento daquele. Um discurso profundamente piedoso e uma pratica tão cruel. Decidiu pesquisar o assunto e achou uma farta informação sobre como o catolicismo lidava com a escravidão. Mais quase nada, e nenhuma pesquisa mais profunda sobre o assunto, com relação ao protestantismo, o que o levou a estudar a questão.
A contribuição que o professor Jose Carlos nos trouxe foi de grande importância, nos trazendo pistas para nossa atuação na questão negra nas igrejas. Um dos pontos importantes é que os protestantes vieram para o Brasil a fim de propagar o evangelho e ganhar membros da elite. Sua meta era plantar a igreja evangélica no país. Enfrentaram grande oposição do clero católico e tiveram grande dificuldade pelo fato da população ser analfabeta, o que fez com que sua estratégia fosse abrir escolas. O professor afirmou que os primeiros protestantes que aqui chegaram em sua grande maioria eram escravistas, não tendo nenhum interesse em se opor à escravidão. Apesar de toda essa incompatibilidade no campo do protestantismo, entre a escravidão e a fé cristã, houve algumas vozes na Europa, Estados Unidos e Brasil, que não concordavam com a escravidão, como John Wesley e, no Brasil, Robert Kalley que chegou a expulsar um membro da sua igreja por não ter libertado os seus escravos.
O professor também lembra que, ao terminar a guerra do norte e sul, nos Estados Unidos, (chamada Guerra de Secessão), os sulistas continuaram a querer a permanência do escravismo e o norte o seu fim). Muitos sulistas vieram para o Brasil e buscavam produzir o modelo escravista, tentando justificar a escravidão teologicamente.
Os evangélicos, no processo da abolição da escravatura no Brasil, de acordo com o professor, só se manifestaram quando o Brasil inteiro já estava envolvido nessa luta. Ele cita um documento muito importante, escrito pelo pastor presbiteriano Carlos Eduardo Pereira, publicado, em 1886, no jornal Imprensa evangélica, condenando a escravidão à luz da Bíblia.
Segundo o professor, os evangélicos não tiveram um papel relevante na Abolição da Escravidão do negro. A partir da sua palestra, os participantes do Fórum tiveram subsídios para legitimar a proposta do movimento negro evangélico, afirmando que o seu trabalho de pesquisa veio de encontro às necessidades da nossa luta, dando base e conteúdo para até pensarmos em reivindicar reparações e políticas de ações afirmativas em nossas igrejas para o afrodescendente, no sentido material, bem como uma releitura bíblica teológica.
Por exemplo, cotas para negros e bolsas de estudos em colégios e universidades protestantes e reparações teológicas.
Igreja Evangélica e a Consciência Negra - Parte 2
Olhando a nossa situação atual com relação à Igreja Evangélica e à Consciência Negra, podemos ver o tamanho da luta que temos pela frente. Começando pelas Igrejas Históricas onde a questão tem se desenvolvido de maneira mais efetiva:
A Igreja Metodista é a única denominação protestante que tem uma Pastoral de Combate ao Racismo,que, por outro lado, não tem apoio nem recursos humanos e financeiros para o seu funcionamento. É só para inglês ver.
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil vem tentando criar a sua Pastoral da Negritude, devido aos esforços do Grupo de Negros e Negras da Escola Superior de Teologia da denominação;
Uma das novidades que podemos comemorar vem da Igreja Presbiteriana Unida que oficializou o Dia da Consciência Negra em sua agenda com uma liturgia nacional, e também criou um projeto especifico para trabalhar o racismo e a negritude.
Grande parte das Igrejas Históricas indica representantes junto à CENACORA Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo - uma organização do Movimento negro evangélico. Mas, muitas vezes, essas indicações têm servido de desculpa para essas igrejas não atuarem de uma forma mais direta, cumprindo realmente o seu papel profético diante do racismo e da questão negra. O fato é que essas igrejas, ao terem um representante na CENACORA, imaginam que estão fazendo a sua parte. Não compreendem que o verdadeiro papel da CENACORA é assessorar essas igrejas e suas pastorais a desenvolverem atividades e ações de combate ao racismo e não servir de muleta para as isentarem da sua responsabilidade diante da questão.
As igrejas evangélicas participantes da CENACORA são: Igreja Congregacional, Igreja Presbiteriana Independente, Igreja Metodista, Igreja Luterana, Igreja Anglicana, Igreja Siriana Ortodoxa, e Igreja Católica Romana.
A Igreja Batista é a única que não tem nenhum tipo de trabalho oficializado por suas lideranças com relação ao afrodescendente, mas, tem projetos desenvolvidos por pastores e membros, isoladamente, sem um apoio explicito da denominação.
Existe um fato muito interessante com relação à Igreja Batista Brasileira: as uniões e convenções batistas do mundo inteiro adotaram o Pacto de Atlanta, garantindo que a primeira década [2000-2010] do século 21 será aquela em que os batistas do mundo inteiro trabalharão pela justiça racial para todos os povos. Já se passaram 4 anos da década e os batistas brasileiros nem sequer sabem do pacto.
Mesmo com pastorais, representantes indicados e pequenos trabalhos as igrejas históricas não têm a questão do afrodescendente como parte da sua agenda e missão, nem têm investido recursos para uma atuação mais eficaz diante do problema, notando-se uma certa incoerência entre o discurso e a pratica do quetem pregado como Igrejas cristãs.
Nas Igrejas pentecostais não existe nenhum trabalho oficializado por suas lideranças com relação ao negro. O que existe são manifestações de pessoas e organizações oriundas das igrejas desse seguimento, sem nenhum vínculo com as denominações ou oficialização por suas lideranças. Nas igrejas pentecostais é onde se encontra a maior parcela de afrodescendentes, não por que esse segmento optou pelo negro, mais pelo negro ter optado pelo pentecostalismo,por ter se identificado melhor com essas denominações.
Nas Igrejas Neopentecostais a situação é mais complicada ainda. Além de não existir nenhum trabalho oficializado não há espaço para o surgimento dequalquer tipo de proposta, realizado por membros dessas igrejas. Isso, devido a sua característica como a doutrina da prosperidade, a batalha espiritual, as maldições hereditárias, e outras. Fazendo que seus membros vivam voltados somente para os compromissos da igreja e das coisas espirituais. Dos neopentecostais a única denominação que tem abordado a questão do negro é a Universal, porém isso acontece mais em razão da sua forma estratégica e política de atuação.
Conclusão
No geral, as igrejas brasileiras não tém respondido de uma forma cristã à situação do afrodescendente. No passado, por ser cúmplice da escravidão, após a Abolição, de forma silenciosa, e hoje continuando omissa. Nos anima o fato de que entre os afrodescendentes tenha crescido uma significante conscientização da sua negritude e isso, de certa forma, tem fortalecido a nossa luta. Podemos sentir o mover de Deus despertando as consciências adormecidas por anos de opressão. Existem grandes barreiras para chegarmos a uma situação ideal em nossa luta, das quais, as principais são:
Falta de interesse das lideranças das igrejas evangélicas.
Falta de material com a temática do negro nas igrejas.
Falta de estrutura e recursos financeiros.
Falta de um movimento articulado que tenha visibilidade e legitimidade.
Por fim, a demonização de tudo que se refere ao negro, dificultando a introdução da questão nas igrejas evangélicas.
Os desafios são muitos mas existem prioridades e uma delas é a conscientização dos pastores, pastoras e lideranças negras para que, através deles e delas, a temática possa chegar aos membros de suas igrejas.<o:p></o:p>
Outra prioridade é a questão da informação, divulgação e capacitação das lideranças para a fomentação da causa.
Também se torna urgente a consolidação do movimento negro evangélico para fortalecer as bases e lideranças.
Faz-se também necessário um ciclo de debates sobre vários temas pertinentes e que nos faça pensar a relação entre o movimento negro, os negros evangélicos, e as igrejas.
Síntese do Encontro do Fórum de Lideranças Negras Evangélicas, em 18 de Outubro de 2003.
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